terça-feira, 24 de agosto de 2010

Hélio Turco, o Mestre - Patrícia Raposo

 É em casa simples e familiar em Mangueira que mora um dos maiores compositores da história da Estação Primeira.

                                    
Maior campeão de sambas-enredo na escola, com dezesseis composições, Hélio Rodrigues Neves teve suas estrofes de métricas perfeitas incluídas em inúmeras questões de vestibular. Ficou popularmente conhecido como Hélio Turco. O apelido se deu quando ganhou de seu tio, Jorge Turco, o armarinho do qual era dono. Nascido no Grajaú, mudou-se para Mangueira aos seis meses de idade. Artesão de mão cheia, Hélio confeccionava balões e pipas. E fala com orgulho das suas obras como artesão: “Eu sempre fiz muito balão e a rapaziada aqui sempre gostou muito. As crianças ficavam maluquinhas. Na época dessas festas juninas eu vinha aqui pra fora e ficava do portão só colocando os balões pro alto, era uma farra.”
Sobre sua vida familiar, conta que namorou por dez anos Dona Dalva, com quem fará 50 anos de casado no final deste ano. Juntos, têm três filhos e três netos. Todos moram na pequena vila próxima à quadra da Verde e Rosa.  “Aqui em casa entra de tudo. Vem amigo, vem compositor, vem sambista, deputado, bêbado, passista, criança e até a malandragem. Minha porta fica aberta. Só depois de 30 anos de casado resolvi fazer aqui uma obra danada e descobri que a porta da casa tinha chave. Chave pra quê? Eu moro no lugar mais seguro do Rio de Janeiro. Aqui não tem nada. Não tem assalto, não tem perigo, todo mundo se conhece, todo mundo é amigo.”
Foi servir ao exército, porém não se adaptou à vida militar. Ficou lá apenas um ano, três meses e quinze dias:  “Eu não sei receber ordem...ah! não dá não. Se você me pedir alguma coisa faço com o maior prazer, faço tudo, me pedindo direito eu tiro até minha roupa do corpo para dar, mas não venha me dar ordem, falar  mais grosso, com autoridade comigo que não consegue nada. Eu vivia preso no exército. Não usava farda, não seguia nada. Saía do batalhão e voltava por aqui andando pela linha do trem!”
 Relata ainda que sua história na Mangueira começou de forma inusitada no ano de 1957. Tinha um amigo que fazia colchões de mola chamado Jorge Pelado. Uma tia de Hélio, que morava na Rua Uruguai, no bairro da Tijuca, pediu-lhe que levasse o amigo até lá para que ela fizesse uma encomenda. Turco, então, foi até a casa do amigo para chamá-lo, mas lhe disseram que Jorge estava na quadra da escola de samba. Hélio Turco seguiu para a quadra da Mangueira, onde acontecia uma reunião: “Eu cheguei na hora da reunião e o Beleléu falou:  -Vamos fazer uma diretoria agora. A Ala dos Compositores e eu queremos uma diretoria. Eu fiquei de fora debruçado na janela só olhando... Estava uma confusão danada. Foi chegando gente, chegando gente, mas não formava o número de gente que precisava. Estavam também Jurandir e Nelson Sargento... estavam tentando colocar ordem naquela bagunça. O Carlos Cachaça e o Cartola não deram muita atenção e se retiraram. O Pelado se virou e falou:  -Coloca o Hélio!
Hélio prossegue, divertindo-se muito. “Eu não sambava, não cantava, não tocava. Mas para ajudar meus amigos a segurarem aquele compromisso, assumi. Entrei como secretário em 1956 e fiquei por 15 anos na tesouraria da escola
Começava, assim, uma longa história de amor entre o futuro compositor e a Estação Primeira de Mangueira. No ano de 1958 escreveu seu primeiro samba. Ele fez a letra e o amigo Pelado a musicou. Chamava-se “Decaída”. Em 1959, seu samba “Brasil através dos tempos”, parceria com Pelado e Cícero, levou a Mangueira ao terceiro lugar. Em 1960, com “Carnaval de todos os tempos” novamente com Pelado e Cícero, a Mangueira consagrou-se campeã. Em 1961, compôs “Recordações do Rio Antigo” e a Mangueira foi bicampeã.
No ano seguinte ele perdeu a disputa, mas voltou a vencer nos três anos seguintes: em 1963 com “Exaltação à Bahia”, 1964 com “História de um Preto Velho” e em 1965 com o samba “Rio através dos séculos”. Entre 1967 e 1969 e em 1971, Hélio Turco continuou apresentando sambas campeões. “O Mundo Encantado de Monteiro Lobato” de 1967, consagrou a Mangueira Bicampeã, e, em 1968 venceu novamente com “Samba, Festa de um Povo”, tendo parceria com de Darcy, Batista e Dico. Em 1969, de uma parceria com Darcy e Jurandir surgiu a letra “Mercadores e suas Tradições”, por fim, em 1971 compôs “Modernos Bandeirantes” mais uma vez com Darcy e Jurandir.
Após esse ano, Hélio, sempre muito envolvido com a escola presenciou e constatou erros e arbitrariedades na Estação Primeira, e, por isso foi prestar conta com os responsáveis. Após desgastes e algumas imposições que estavam sendo feitas à ala dos compositores, ele foi afastado. Contam que ele se afastou, porém, ele relata que o suspenderam por 10 anos: “Eu estava aqui na sala quando entrou uma menininha por essa porta falando que eu estava suspenso da Mangueira. Eu não fiquei com raiva não, sabia? Senti pena, muita pena deles.
Reencontrou-se com a Mangueira e, especificamente, com o samba-enredo em 1984, com o histórico “Yes, nós temos Braguinha”, que deu o título à escola no primeiro ano de desfile realizado no Sambódromo. Hélio Turco relembra que há seis anos a Mangueira passou a ser um órgão federal. Sendo assim, conseguiu mais patrocinadores; e ajudar sua escola de coração retirou os processos que havia colocado na justiça. Pessoas entravam na Presidência, e ele via os mesmos erros e absurdos se repetindo. Sempre lutando pela dignidade da escola e colocando o respeito acima de tudo, continuava batendo de frente e defendendo suas idéias. No ano de 2005, após passar sua suspensão, ele escreveu um samba no qual cantava no refrão “(...) voltei, fui buscar inspiração e quando o samba me chama eu vou...” Criticaram-no dizendo que estava falando sobre sua própria história, falando de sua “volta” para escola e com isso foi recusado. Hélio enfatiza que, hoje em dia, a escolha do samba é feita por uma imposição de forças maiores e interesses: “  uma pena que tudo esteja assim, principalmente hoje em dia. O dinheiro está acima de tudo e de todo mundo. É uma vergonha. A Mangueira não precisa disso.”
Sobre o samba de 2011, cujo enredo falará sobre Nelson Cavaquinho, e ele relembra dos momentos que viveu com o homenageado: “ O Nelson era uma pessoa maravilhosa. Sempre almoçava comigo às terças-feiras. Eu era gerente de uma loja em Piedade e saía de bicicleta pra encontrar com ele no bar da esquina. Ele gostava muito de nadar sozinho por aí. Saía de casa todo dia primeiro de cada mês e retornava no dia primeiro também ... mas no dia primeiro do mês seguinte! Em seguida, mostra com exclusividade o samba que compôs para participar da disputa de samba-enredo para  o carnaval de 2011.
Apesar do desgaste provocado pela sua suspensão, Hélio Turco continua com força dentro da escola. Um exemplo de sua força dentro da escola é que, em maio, foi convidado pelo atual Presidente da Mangueira Ivo Meirelles, para ser Presidente de Honra da Ala dos Compositores. Ele finaliza a entrevista, que teve a leveza de uma deliciosa conversa e que durou uma tarde inteira, dizendo com lágrimas nos olhos:
Eu tenho saudades do meu amigo Jurandir. Juntos fazíamos o que se chama de polimento do samba. A gente ouvia as pastoras e ia acertando os trechos onde elas tinham dificuldades para cantar. O samba era assim, feito com alma. Carnaval precisa de leveza e alegria.  A Mangueira é um touro que não sabe usar a força que tem.



Sambas-enredo de Hélio Turco para a Mangueira

Brasil através dos Tempos de 1959
(Hélio Turco, Pelado e Cícero)

Carnaval de Todos os Tempos de 1960
(Hélio Turco, Pelado e Cícero)

Recordações do Rio Antigo de 1961
(Hélio Turco, Pelado e Cícero)

Exaltação à Bahia de 1963
(Hélio Turco, Pelado e Comprido)

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